Neste domingo, 7 de setembro, fui prestigiar o Caju Shibari Art de Suelen Siqueira e Capitão Rosa. Estou realizando um trabalho de pesquisa intenso desde o início do ano que mescla processos criativos com neurociência, e estava curioso para observar a expressão artística e verificar quais sensações/pensamentos manifestariam-se nesta apresentação.
Ao longo de 17 anos de artes, as artes visuais e cênicas são aquelas com as quais tive menos contato durante minha carreira artística. Por isso, tinha certeza de que algo novo seria interiorizado a partir dessa experiência.
Pré-Performance
Direcionei-me à Galeria do Largo, local onde ocorreria a apresentação. Era a minha primeira vez no espaço, e, estando em cima da hora, fui informado de que a apresentação ocorreria no andar de cima. Ao chegar, deparei-me com diversas obras de artes visuais e logo localizei a exposição de Suelen Siqueira intitulada Potências do Corpo Feminino ShibariArt, com a qual eu já havia tido contato pelas redes sociais.
Como artista do audiovisual, comecei a registrar vídeos do espaço e das obras. Logo fui cumprimentado por Suelen e Capitão Rosa. Suelen explicou sobre o evento e apresentou-me ao Capitão Rosa, o Mestre Shibari. Informei que estava ali para prestigiar a performance.
A Preparação
No ambiente, havia um rádio, um estilete, um isqueiro e um saco azul. Capitão Rosa concentrava-se em montar o cenário para a performance, focado na precisão e simetria. Ele lentamente montava um emaranhado de cordas e posicionava os cajus, que deram nome à performance. Logo após, retirou-se para preparar-se para o início do Caju Shibari Art.

O Início
Suelen introduziu a performance, explicando que foi inspirada no álbum da cantora Liniker.
“No novo álbum, ela compõe músicas imaginando um futuro melhor para si” – Suelen Siqueira
Ela também falou sobre empoderamento feminino e a expressividade através do corpo.
A Performance
Capitão Rosa vendou Suelen, privando-a temporariamente da visão. Percebi imediatamente que se tratava de uma experiência tátil.

Suelen dirigia sua boca em direção aos cajus, com movimentos expressivos, criando uma conexão e até uma expressividade de desejo com o objeto central da performance. Nesse momento, a ideia de empoderamento, que ela havia mencionado anteriormente, começou a se manifestar.
No entanto, o conceito de poder confundia-me de certa forma, pois minha compreensão tradicional sobre a relação de poder estava sendo desafiada. Havia uma dualidade de interpretações subjetivas sobre o que era poder, e ali estava eu, um aprendiz das artes, tentando compreender o que estava sendo expressado.

Comecei a buscar significado nos nós, na experiência tátil de Suelen, nos pontos de amarração e na interação entre ela e Capitão Rosa. Ao focar mais atentamente no Capitão, percebi sua performance também expressava encantamento por Suelen, que, naquele momento, estava amarrada.

Essa expressão de encantamento assemelhava-se à de um escultor contemplando sua obra, só que a obra, ali, era um corpo vivo. Passei a ver Suelen como a própria obra, e seu empoderamento estava intrinsecamente ligado ao fascínio natural que a beleza gera no ser humano. A potência do corpo feminino materializava-se diante das lentes da minha câmera. O poder, naquele momento, estava na contemplação e no encantamento, resultando em uma experiência tátil única.

A Rotação
Capitão Rosa começou a girar Suelen. Minha observação foi transportada para a experiência física que ela estava vivendo, entre a força centrípeta gerada pelo mestre Shibari e a resistência das amarras em seu corpo. Artisticamente, parecia simbolizar um ato de resistência.

Finalização
As vendas foram removidas, revelando a expressão catártica que a experiência artística proporcionou a Suelen. Com isso, a performance chegou ao fim.

Após a apresentação, Suelen e Capitão Rosa conversaram com o público, e fui cumprimentá-los. Apresentei-me e posteriormente organizei uma entrevista com Suelen para conhecer mais sobre sua obra e o processo criativo por trás do Caju Shibari Art.

Entrevista com Suelen Siqueira
Para aprofundar o entendimento sobre a performance, conversei com Suelen Siqueira logo após o evento. Abaixo, ela compartilha suas inspirações, o processo criativo e sua visão sobre o Shibari como expressão artística.
1 – Do que se trata o Caju Shibari Art?
Suelen: “A performance Caju Shibari Art partiu de uma provocação e inspiração em Liniker. No novo álbum, ela compõe músicas imaginando um futuro melhor pra si. Como artista, estou em um momento alçando voos maiores, tendo uma parte da exposição reservada para o meu trabalho Potências do Corpo Feminino ShibariArt. Essa performance apresenta o aprofundamento da minha pesquisa e é um momento de celebração. Foi a forma que decidi junto ao Capitão Rosa, meu parceiro nessa prática, de introduzir o Shibari ao público. É um motivo pra comemorar.”
2 – Como o Shibari surgiu na sua vida?
Suelen: “Foi através de um conhecido que prefere se manter anônimo o contato prático com quem me apresentou o Shibari. De início, me despertou curiosidade, pois era algo que eu não conhecia. Quanto mais eu pesquisava, mais percebia que ali havia uma linguagem artística que estava sendo subutilizada. Como tenho formação em dança, vi que havia algo a ser explorado e que dialogava com o meu trabalho, então comecei a pensar em formas de fazer esse casamento entre as linguagens artísticas.”
3 – Como surgiu a inspiração para o projeto?
Suelen: “Surgiu por um desses acasos em que a sorte favorece quem já está em movimento. Graças à exposição Potências do Corpo Feminino, fui contatada por Pauline, artista que já amarrou Shakira para o clipe Copa Vacía. Além de ter tido a honra de ser amarrada por alguém de destaque na comunidade internacional do Shibari, fui apresentada ao Capitão Rosa, que trazia a experiência de se apresentar na noite paulistana e participar ativamente da comunidade shibarista. O Potências do Corpo Feminino foi o embrião que me trouxe outros frutos e contatos para amadurecer novas ideias.”
4 – Na sua fala introdutória, mencionaste o empoderamento feminino. Como essa ideia se manifesta no espetáculo?
Suelen: “A comunidade do Shibari tem algo muito interessante, que é a importância de uma negociação prévia e do consentimento para toda e qualquer prática. Isso é algo que todos poderiam se beneficiar. Quem pratica combina palavras de segurança, já que consentimento só é consentimento se puder ser retirado a qualquer momento. Na performance Caju Shibari Art, não há uma troca de poder, mas sim um acordo entre dois artistas sobre a concepção do espetáculo. O diálogo e o respeito aos limites são formas de empoderamento.”
5 – Com quais tipos de linguagens artísticas você se identifica?
Suelen: “Devido à minha formação, a dança e a performance me levaram a conhecer o Shibari. O foco atual de minha pesquisa é o hibridismo entre a técnica de amarração com as cordas e outras linguagens mais contemporâneas e clássicas.”
6 – Como é realizar a expressão artística através do corpo?
Suelen: “Quem trabalha com dança, performance e teatro tem o corpo como questão central. Não é um trabalho puramente mental: há algo físico no que acontece. Era algo que eu já fazia e apenas expandi com o Shibari. Numa era em que as relações são cada vez mais virtuais, trabalhos com o corpo adquirem relevância ainda maior.”
7 – Sua avaliação do projeto até o presente momento.
Suelen: “Estou muito feliz, pois quanto mais conheço o Shibari, mais me apaixono por suas possibilidades artísticas. Quero que as pessoas saibam das possibilidades dessa linguagem e que pratiquem com segurança, respeito e consentimento.”
8 – Onde as pessoas podem acompanhar seu trabalho?
Suelen: “No Instagram, @suelenssiqueira.”
Conclusão
A performance Caju Shibari Art proporcionou uma experiência sensorial e reflexiva que me fez questionar noções pré-concebidas de poder e empoderamento. Durante a apresentação, percebi uma tensão entre o fascínio exercido por Suelen como obra viva e o papel de Capitão Rosa como escultor, o que me levou a interpretar a performance como uma exploração de poder e contemplação. No entanto, ao conversar com Suelen, sua perspectiva revelou uma camada mais profunda: para ela, o empoderamento não estava ligado à ideia de dominação ou controle, mas à criação de um acordo entre dois artistas, onde o consentimento e o respeito aos limites se tornaram fundamentais.
Enquanto eu via uma relação de poder que emergia da dinâmica física entre Suelen e Capitão Rosa, ela explicava que a verdadeira força da performance residia na negociação e no diálogo anterior à apresentação, um aspecto que talvez passe despercebido ao olhar leigo, mas que é central na prática do Shibari. Minha observação da interação tátil, dos nós e da rotação física trouxe à tona questões de resistência, enquanto para Suelen, esses elementos artísticos representavam o potencial do corpo feminino, não como objeto, mas como sujeito de expressividade.
O que observei como uma obra em constante movimento, carregada de tensão e beleza, Suelen descreveu como uma extensão de sua pesquisa artística, um híbrido entre técnicas corporais e a prática do Shibari. Através de nossa conversa, ficou claro que a performance não era apenas uma exposição visual ou cênica, mas uma celebração colaborativa de empoderamento, onde o corpo é simultaneamente o meio e a mensagem.
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Este trabalho de pesquisa foi contemplado pelo edital de Bolsas Culturais da Prefeitura de Manaus. A bolsa concedida reforça nosso compromisso em documentar e analisar profundamente a criatividade dos artistas amazonenses, contribuindo para o desenvolvimento cultural da nossa terra.
Gianini Masulo